segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Paik, na Tate

“[I want] to shape the TV screen canvas as precisely as Leonardo as freely as Picasso as colorfully as Renoir as profoundly as Mondrian as violently as Pollock and as lyrically as Jasper Johns”(1969)

“I have treated cathode ray tube (TV screen) as a canvas” (1968)

“Television has attacked us for a lifetime, now, we struck back (1992)”

sobre o loop

Os hábitos são contraídos na experiência das repetições. No livro Diferença e Repetição, Deleuze inicia o capítulo A repetição Para si Mesma com uma frase esclarecedora de Hume4: “A repetição nada muda no objeto que se repete, mas muda alguma coisa no espírito que contempla [...]” (HUME, citado por DELEUZE, 1988b, p. 127). Ou seja, a diferença não está no que se repete, mas sim em mim, ou melhor, se exerce em mim

Série Cartografia do Meio e Outros Meios, de Claudia Zimmer de Cerqueira Cezar

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Óscar Cerruto

"Somos prisioneiros do círculo. A gente acredita ter-se evadido do aço e anda, finalmente solto, um pouco estranho em seu árbitro, e sente que o faz como no ar. Falta um apoio, e chão de todos os dias. E o apoio é, de novo, a clausura."

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

nostalgia

Oh, kumushki*,
be friends with each other
Be friends with each other and love each other
And love me too
Go to green garden
And take me with you
You'll gather flowers
Gather some for me too
You'll wreathe chaplets
Oh, wreathe one for me too
Go to the Danube river
And take me with you
You'll sail your chaplets by water
And sail mine too
Your chaplets were sailing a drift
But mine has sunk...swam like a stone..swam like a stone
Your sweethearts have returned from war
But mine hasn't
He doesn't come back, he doesn't write any letters
He's forgot about me...about me...

* 'Kumushki' means lady friends, particularly those, who have exchanged their baptismal crosses for a week, in accordance with the old Russian custom,done soon after Easter Sunday

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

para onde foi aquele tiro?

a gente estava parado, esperando o sinal abrir. demos espaço para as duas mulheres que atravessavam a rua adjacente, uma segurava um golden retriever, cachorro aos montes aqui no bairro, e outra um carrinho de bebê com uma criança. as 18h a temperatura começava a cair, mas ainda estava claro. elas passaram e agradeceram nosso distanciamento respeitoso na calçada. esse cruzamento, rua Carlos Weber com a rua Mergenthaler é perigoso. um dia, eu e D. vimos um carro ir para cima de um ciclista com a filha na garupa. o ciclista furioso foi para cima do carro, a sua filha de capacete riu, achou que era uma brincadeira, não entendendo o que tinha acontecido. isso foi há pouco mais de um ano, mas sempre quando a gente passava ficávamos tensos, pela rua de mão dupla, pelos motoristas sem paciência com a vida dos pedestres, dos ciclistas.

* durou um segundo, virar o rosto e acompanhar o homem de óculos que saía do bar correndo com a arma na mão. não parecia pesada, lembrei das armas de brinquedo, mas essa era só preta. foi a corrida em direção à rua e em seguida o disparo que fez os sentidos chamaram atenção para que alguma coisa perigosa estava em trânsito. ele parou um pouco antes de atirar em diagonal, em direção à Drogaria São Paulo. não houve gritos. peguei o braço de D. e entramos no bar que estava ao nosso lado, de esquina, nos escondendo atrás da parede, perto do refrigerador. atrás da zona do perigo. impotentes, com medo.
eu não vi a moto que saiu em disparada e que tinha outra pessoa que tentou roubar a moto do homem de óculos armado. D. viu e viu ainda quando o homem de óculos colocou a arma na cintura. eu só vi o balconista dizer que tentaram roubar a moto do homem de óculos e esse homem passar e entrar em direção a cozinha do bar, de cabeça baixa, irritado.

* isso foi ontem, mas até agora está difícil recuperar a rotina da escrita, da preocupação por outros assuntos. parece que aquele tiro desencadeou o que eu havia buscado ignorar mais intimamente nos últimos tempos. não sei porquê, quando acordei, vi o vídeo da advogada com ataques homofóbicos, racistas em uma padaria aqui em São Paulo. por que eu vi eu não sei, mas parece que tudo está interligado em suas formas de violência.
aquele tiro, que por sorte não acertou ninguém fisicamente, me atingiu. uma dor silenciosa que vem sido acompanhada, e compartilhada, desde o início do mandato presidencial de 2019. a oficialização da banalização da vida, do desrespeito, de uma lei baseada no absurdo. e teve esse tiro, e o aprofundamento mais um pouco na carne do espírito vendo o vídeo da mulher que alega problemas psicológicos. pouco a pouco eles eles querem nos destruir.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

The skin of the film - Laura Marks

Certainly, touch seems to be the foundation upon which subsequent sensuous experience is built. More than any other sensory deprivation, the loss of the tens of touch creates a feeling of being an orphan in the world. Irigaray’s question, “How to preserve the memory of the caress?,” rests on a fundamental sense of loss: of a world of tactility experienced by the fetus and the infant, before language and vision organize its sensorium”

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Yi-Yi (As coisas simples da vida, 2000), de Edward Yang

[fala de cinefilia]

Meu tio diz:
"Vivemos três vezes mais tempo desde que inventaram o cinema".
- Como é possível?
Significa que os filmes nos dão duas vezes o que a vida diária dá.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

de 2013. Phillip Lopate

MACHADO, Alvaro (Org). Aleksandr Sokúrov. São Paulo: CosacNaify, 2002. p. 46-47.

Por fim, Totaro propõe uma explicação para o caráter hipnagógico (de transição entre vigília e sono) do cinema de Sokúrov, citando um trecho do ensaísta Phillip Lopate, que analisa não o cinema do diretor russo, mas dois cineastas que estes também tomou como modelos, o francês Robert Bresson e o japonês Kenzo Mizoguchi:

Pode parecer afetado falar em assistir a um filme como disciplina meditativa (…), mas há paralelos. Existe um conhecido tipo de meditação que foca a atenção mediante a repetição de um único som ou imagem mental. Não obstante, outras práticas de meditação encorajam a pessoa em repouso a deixar seus pensamentos fluírem livres e desordenados, sem tentar ancorá-los em ponto nenhum. (…) No início, eu costumava resistir e deixar que minha mente vagasse durante a projeção dos filmes e lembrava-me que que estava desperdiçando o preço do ingresso. Mas, assim como na meditação budista a pessoa é ensinada a não repelir os pensamentos mesquinhos ou tolos que surgem, já que essas "distrações" são precisamente o material que constrói a meditação, assim também comecei a permitir que minha mente espectadora fílmica bradasse mais livremente minhas preocupações, ansiedades e lembranças cotidianas que surgiam de alguma associação de imagens. As vezes, perdia-me em alguma corrente mental por vários minutos, antes de retornar toda a minha atenção para o que se passava na tela; mas, quando voltava a ela, era com uma consciência renovada, uma maior profundidade de sentimentos. (…) Certos tipos de filme - aqueles com recursos estéticos austero; passada não precipitada; consistência tonal; a tendência a planos longos que se opõem a close-ups; a atenção para as sombras e para o background; e a aceitação madura do sofrimento - me proporcionam um espaço maior para a meditação.

LOPATE, Phillip. Totally, Tenderly, Tragically. Nova York: Anchor Books, 1998, cit. Donato Totaro, revista Kinoeye, 1999.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

27 de agosto de 2020



as vezes acho que leva um segundo do momento
presente
para que o mundo possa entrar em colapso.


vem
como uma onda
levantando a crista lentamente


e
de repente
some.


[mas os danos
mesmo que não sejam físicos
estão lá]


outras


uma onda
rápida
inesperada
derruba


e ficamos
atônitos
sem levantar.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

l. cohen

The Only Poem

This is the only poem
I can read
I am the only one
can write it
I didn’t kill myself
when things went wrong
I didn’t turn
to drugs or teaching
I tried to sleep
but when I couldn’t sleep
I learned to write
I learned to write
what might be read
on nights like this
by one like me

— Leonard Cohen

segunda-feira, 29 de junho de 2020

um dia dentro do outro.

ontem, ao mandar imprimir as fotos, parece que eu queria alguma prova de que eu estive lá. a praia, as águas, o horizonte sem fim. sei que o risco é que a memória recrie as experiências a partir das imagens. mas é tão estranho. eu estive mesmo lá? porque eu sinto o peso da experiência vivida, mas é como se eu precisasse fazer um esforço enorme para me lembrar algo que pode ser esquecido a qualquer momento.

terça-feira, 19 de maio de 2020

São Paulo, Santo André, 23 de Novembro de 1944

Versos para você

Segue-me. A estrada é plana e a tarde agora
Doura a alta cabeleira das ramadas
Enquanto o sol é uma águia que estertora
Fechando e abrindo as asas fatigadas...
Vamos antes que a noite com carinho
Encha no outono, o céu de primavera...
Escura, além a margem do caminho,
Há um banco que entre sombra nos espera...
Quero dizer-te assim, como se ungisse
Teus ouvidos com poemas imortais,
As frases que ninguém jamais te disse
E que, só de meus lábios, ouvirás...
Frases
Que hão de acordar clarões adormecidos
Dentro de teu olhar!
E sentirás na angústia dos sentidos
O sublime desejo de pecar...
Acompanha-me...A estrada se compara
Ao caminho de todas as venturas!
Dançam folhas...As folhas são criaturas
Que o vento, caprichoso, une e separa...
Vem! Que em teus lábios, meu amor recolha
O muito de minh'almaque hoje dou...
Porque amanhã seremos duas folhas!
Que o vento do destino separou!

s.d

Chegamos finalmente a um terreno plano com uma enorme casa no centro, dos lados três balanças, no fundo um salão que dá para o Rio Tietê e muitas frutas ao redor. Era ali o falado sítio.
Trocamos de roupa e fomos até a piscina. Muitos rapazes que nos foram apresentados banhavam-se.
Passei os três dias pode-se dizer num paraíso pois eu me diverti bastante.
De manhã levantava para tomar sol e dali meia hora café. Mas que apetite! Parecíamos gentes esfomeados, pois daquele jeito que corríamos, trincávamos, de fome que quando chegava a hora do almoço estávamos com o estômago nas costas.
Durante as três noites houve baile e brincadeiras muito interessante, excluindo uma que eu não apreciei muito, mas que finalmente acabei entrando no meio.
Mais tarde alguém falou de uma certa bica existente por ali e deixou-nos interessada, pois logo depois do almoço, eu, a Edna, Diná e uma outra fomos até lá. Ficava além da piscina por um atalho pequeno onde tinha que descer por uma escada comprida no meio de grandes arvoredos. Mas que coisa maravilhosa! Não sei porque até pensei que aquilo só poderia ser feito por uma mão Divina pois por mais que eu quisesse descrever não poderia, pois só a um poeta caberia esse privilégio.
Na tarde do dia seguinte como os rapazes insistiam para que fossemos ver uma certa pedra descoberta por eles, não fizemos de rogada e fomos, onde no caminho pegamos um pouco de laranja para levar. A estrada era um tanto escura, pois naquela tarde não fazia sol, até ameaçava uma tempestade, e o formato de um túnel de forma que precisamos entrar agachadas, onde mais adiante avistamos as duas pedras. Lá em baixo um riacho meio oculto, emprestava mais beleza àquele recanto.

12 de Junho de 1944

Hoje num dia calma e límpido, fizemos os nossos preparativos para a mudança. Somente duas viagens de carroça e eis-nos mudados.
A casa é pequenina mais em compensação pode-se dizer que é um tanto bonita ao seu redor. Creio mesmo que por um espaço de tempo não nos faltará limão.
A noite pareceu-me triste, pois acostumada a onde ouviam muito barulho de crianças, aqui somente cinco pessoas.
Fiz mil planos para plantar, mas vejo que a terra é bem dura, pois o pedacinho que quis carpir até me fez um pouco de calo.
A tarde a Ignez trouxe um monte de ervilha que está plantada além do triozinho.

Festas de Junho

Era assim o mês de junho, onde as fogueiras eram acesas no dia de S. Pedro ou no do S. João. E a noite de São Pedro chegara talvez impaciente de o esperar.
Num céu imensamente azul cinza os pequeninos balões começavam a surgir. Primeiro um e depois aos milhares, onde o céu aberto de estrelas parecia misturar aos pequeninos pontos avermelhados.
Fogueiras, batata-doce, bombinhas, tudo isso desfilavam aos meus olhos apesar de que quando saia a rua vivia com medo de que algum garoto endiabrado chegasse um desses fogos que era o meu terror, aos meus pés. Mas quando chegava a noite então já sem receio ia para a fogueira que as criançadas faziam a beira do caminho. Um cheiro forte de batata-doce assada e de quentão circundavam ao nosso redor. E assim as horas iam passando quando alguém se lembrava que já era tarde e hora de dormir.
E quando chegava o dia seguinte ainda restava a braza da noite anterior.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

17 de fevereiro de 1947

O dia estava meio chuvoso quando saímos. Pelo caminho íamos cantando velhas modas de carnaval e quando alguém dizia uma piada era só risada. Apesar de não ser uma coisa bonita, grandes quantidades de carros desfilavam na Avenida São João!
Os guardas postos em certos trechos controlava o tráfego. Fomos até a Freguesia do Ó para buscar minha roupa e como não havia ninguém, entramos pelo portão que dá para a oficina. Foi construída recentemente, de forma que precisamos ter cuidado com os tijolos espalhados pelo chão. O céu estava carregado e um vento gelado batia no rosto. Ali tudo era silêncio a não ser que numa poça d'água os sapos pulavam de cá para lá.
As janelas são grandes que dá para uma pessoa entrar. Como tínhamos ido até lá e para não perder a viagem, resolvemos que o Paulo entraria pela mesma. Pegamos alguma coisa, pois o guarda roupa estava fechado a chave.
Na volta fomos jantar num restaurante perto da casa da irmã de Lina. Éramos para ir para lá mas como tínhamos ficado de encontrar com o Barbimo as 7 não deu tempo. Fomos ao cinema assistir Sangue e Areia e na saída como não saímos todos juntos, chegamos primeiro ao caminhão.
Na rua quase não se via fantasia. Os que andavam por ali na rua estavam voltando do cinema. Chegamos em casa as 3 horas da madrugada.

s.d., Nenny

Uma arte e bem difícil e bem útil é a Arte de Dizer "Não".
Clement Marot, que foi o último desses "bons becs en parler direct"[bons bicos em falar diretamente] "que espiritualizaram o Doce Paig da França nas vésperas do Renascimento; o gentil Marot pos um dia no simples título de uma sua pequena peça toda uma bem espremida síntese dessa complicada sabedoria. Imitando ainda uma vez o seu tão imitado Uvillon, chamou assim o favorito palaciano de Margarida de Navarra a sua esperta "badinage" [brincadeira] "Um doux nenny avec un doux sourire" [um doce nãozinho com um doce sorriso]
"Nenny", um "não" pequenino...
Que pena não existir na nossa rude língua peninsular e navegadora ____ fala de marujos livres, que sabe e que surgem em mar-alto - um, como esse, familiar amortecedor da áspera negativa!
"Não"...isso será sempre brusco, seco e agressivo, por mais e melhor que a gente avance demoradamente, separando-as, as duas vogais do ditongo nasal "Não"... Isso terá sempre toda a rapidez aguda, apunhalante dos monossílabos. É preciso limar, lixar, polir essa aresta maldosa. Mas como?
Abrandando-a embalando-a com as duas sílabas fofas, algodoadas dos diminutivos: "Nãozinho"?
Nada disso. No título delicioso e delicado de Marot, fiquemos só com a segunda, sempre praticável metade "un doux sourire"
Você, por exemplo, pequena leitora casual, aprenda o "doce sorriso" de Marot. E se as teimosas interrogações da vida insistirem, e for mesmo preciso dizer "Não" faça sair dos seus lábios apenas a mais linda forma do silêncio: um beijo.
Depois diga simplesmente "Não". E passe de novo o "batom" morno e oleoso. Ficará vestido de púrpura - com a majestade de púrpura que faz obedecer e admirar porque da soberania e beleza - a pequena palavra plebéia. G. de M.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

São Paulo, 3 de junho de 1944

Quando lembrei que hoje era sábado não soube esconder o meu espanto pois estamos aqui num lugar que cada qual procura ver o seu serviço e não como São Paulo que todos esperam ansiosamente o domingo, uns para is a Santos, outros para irem ao cinema, pois eu neste dia nem sequer me lembrava e eis a razão do meu espanto. A noite, eu e outra pessoas reunidas em volta da mesa ouvíamos a vitrola donde de vez em quando uns discos deixava lembrar com certa saudades do tempo da Onça. (querendo, querendo desafiar).
Lá fora como querendo desafiar a natureza a lua envolve no seu manto prateado. O céu límpido, onde milhões de estrelas brilham parece encerrar mistério.
Num riacho o murmurar das águas corta a quietude da noite. Uma leve brisa passa pela mata e os galhos de leve se agitam.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

vovó yó.

Fevereiro de 1944.

O carnaval está perto. É o que se ouve de vez em quando da boca do povo.
Não sei porque este ano não tenho grande interesse como nos anos anteriores. Mas a ideia de que irei passar os três dias no sítio me anima um pouco pois até ontem quando falávamos da nossa ida ficamos influenciados que tive desejo de fazer um esforço.
Sábado finamente chegara e contente preparamos tudo, mais por triste fatalidade uma chuva forte impediu essa viagem, aliás uma viagem bem curta. Adiamos nossa ida para domingo que levantamos cedo. No bonde pouca gente. A minha frente dois rapazes sentados com jeito de pouca animação. Chegamos a Penha e a feira de lá um tanto barulhenta onde se via mais malandros. Uma fila um tanto comprida e finalmente o ônibus chegou. Sentamos separadas por falta de lugar. A cada instante que o ônibus corria lindas paisagens ficavam atrás. Eu já sentia o cheiro forte da mata. Tive desejo de fechar os olhos e ficar absorta por um momento. Quatro homens conversavam animadamente sentado atrás. O assunto referia-se ao cinema, onde as vezes umas piadas um tanto interessante deixava no ar uma forte gargalhada. A uma certa altura, não podendo me conter ri com gosto, para mias logo ficar séria e olhar novamente a paisagem. Chegamos finalmente a São Miguel, uma cidade pequena onde se via homens sentados em frente de suas casas, talvez um costume desse lugar. O que não posso esquecer foi a longa caminhada, pois não fomos de mão vazia. Durante o percurso eu não perdia um só detalhe. Como era lindo! Lugar de muitos morros e pedras onde de vez em quando, aqui ou ali milhos plantados para dar mais adiante com pedras posta pela mão da natureza.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Veneza, 7 de julho de 2019. 23:50h

A cidade que transborda
que carrega tantas histórias e expectativas
dos casais amantes
dos amigos
das lembranças futuras das crianças que passaram por aqui
é também a cidade que transborda
em diferentes níveis o seu passado.
Os animais sentem
e a abelha sinaliza a porta errada
as gaivotas, de humor tão temperamental
trazem mensagens de boa sorte.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

promessa ao mar: 22

as estátuas também morrem.

era trágico ver aquelas estátuas abandonadas. algumas, já com seu rosto desfigurado, com as mãos e os braços amputados, pareciam agonizar entre a paisagem descuidada. não era possível ver qualquer símbolo que identificasse sua alegoria inicial. cobertas de musgo, a pele de pedra emitia essa coloração embolorada dos tempos. uma delas estava no chão, como que golpeada bruscamente do palanque, com o rosto virado para os arbustos, escondendo-se, envergonhada. a decadência também fazia florescer um novo tipo de roupa. vestidas de outono, esperavam o próximo evento e os olhares curiosos dos turistas.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Brodsky, Watermarks

p. 48-58
The palazzo had become the umpteenth's only recently, after nearly three centuries of legal battles fought by several branches of a family that had given the world a couple of Venetian admirals. Accordingly, two huge, splendidly carved aft-lanterns loomed in the two-story-high cave of the palazzo's courtyard, which was filled with all sorts of naval paraphernalia, dating from Renaissance days onward. The umpteenth himself, the last in the line, after decades and decades of waiting, had finally got it, to the great consternation of the other - apparently numerous - members of the family. He was no navy man; he was a bit of playwright and a bit of a painter. For the moment, though, the most obvious thing about this forty-year-old - a slim, short creature in a gray double-breasted suit of very good cut - was that he was quite sick. His skin looked post- hepatitis, parchment yellow - or perhaps it was just an ulcer. He ate nothing but consommé and boiled vegetables while his guests were gorging themselves on what would qualify as a separate chapter, if not a book.

So the party was celebrating the umpteenth's having come into his own, as well as his launching a press to produce books about Venetian art. It was already in full swing when the three of us - a fellow writer, her son, and I - arrived. There were a lot of people: local and faintly international luminaries, politicos, nobles, the theater crowd, beards and ascots, mistresses of varying degrees of flamboyance, a bicycle star, American academics. Also, a bunch of giggling, agile, homosexual youths inevitable these days whenever something mildly spectacular takes place. They were presided over by a rather distraught and spiteful middle-aged queen - very blond, very blue-eyed, very drunk: the premises' major domo, whose days here were over and who therefore loathed everyone. Rightly so, I would add, given his prospects.

As they were making quite a ruckus, the umpteenth politely offered to show the three of us the rest of the house. We readily agreed and went up by a small elevator. When we left its cabin, we left the twentieth, the nineteenth, and a large portion of the eighteenth century behind, or, more accurately, below: like sediment at the bottom of a narrow shaft.

We found ourselves in a long, poorly lit gallery with a convex ceiling swarming with putti. No light would have helped anyway, as he walls were covered with large, floor-to-ceiling, dark-brownish oil paintings, definitely tailored to this space and separated by barely discernible marble busts and pilasters. The pictures depicted, as far as one could make out, sea and land battles, ceremonies, scenes from mythology; the lightest hue was wine-red. It was a mine of heavy porphyry in a state of abandonment, in a state of perpetual evening, with oils obscuring its ores; the silence here was truly geological. You couldn't ask, What is this? Who is this by? because of the incongruity of your voice, belonging to a later and obviously irrelevant organism. Or else it felt like an underwater journey - we were like a school of fish passing through a sunken galleon loaded with treasure, but not opening our mouths, since water would rush in.

At the far end of the gallery or host flitted to the right, and we followed him into a room which appeared to be a cross between the library and the study of a seventeenth-century gentleman. Judging by the books behind the criss-crossed wire in the red, wardrobe-size wooden cabinet, the gentleman's century could even have been the sixteenth. There were about sixty fat, white, vellum-bound volumes, from Aesop to Zeno; just enough for a gentleman; more would turn hum into a penseur, with disastrous consequences either for his manners or for his estate. The light in it wasn't much better than in the gallery; I'd made out a desk and a large faded globe. Then our host turned a knob and I saw his silhouette framed by a door leading into an enfilade. I glanced at that enfilade and I shuddered: it looked like a vicious, viscous infinity. I swallowed air and stepped into it.

It was a long succession of empty rooms. Rationally I knew that it couldn't be longer than the gallery parallel to which it ran. Yet it was. I had the sense of walking not so much in standard perspective as in a horizontal spiral where the laws of optics were suspended. Each room meant your further disappearance, the next degree of your nonexistence. This had to do with three things: drapery, mirrors, and dust. Although in some cases you could tell a room's designation - dining room, salon, possibly a nursery - most were similar in their lack of apparent function. There were about the same in size, or at any rate, they didn't seem to differ much in that way from one another. And in each one of them windows were draped and two or three mirrors adorned the walls.

Whatever the original color and pattern of the drapes had been, they now looked pale yellow and very brittle. A touch of your finger, let alone a breeze, would mean sheed destruction to them, as the shards of fabric scattered nearby on the parquet suggested. They were shedding, those curtains, and some of their folds exposed broad, bald, threadbare patches, as though the fabric felt it had come full circle and was now reverting to its pre-loom state. Our breath was perhaps too great an intimacy also; still, it was better than fresh oxygen, which, like history, the drapes didn't need. This was neither decay nor decomposition; this was dissipation back into time, where color and texture don't matter, where perhaps having learned what may happen to them, they will regroup and return, here or elsewhere, in a different guise. "Sorry, "they seemed to say, "next time around we'll be more durable".

Then there were those mirrors, two or three in each room, of various sizes, but mostly rectangular. They all had delicate golden frames, with well-wrought floral garlands or idyllic scenes which called more attention to themselves than to their surface, since the amalgam was invariably in poor shape. In a sense, the frames were more coherent than their contents, straining, as it were, to keep them from spreading over the wall. Having grown unaccustomed over the centuries to reflecting anything but the wall opposite, the mirror were quite reluctant to return one's visage, out of either greed or impotence, and when they tried, one's features would come back incomplete. I thought, I begin to understand Régnier. From room to room, as we proceeded through the enfilade, I saw myself in those frames less and less, getting back more and more darkness. Gradual subtraction, I thought to myself; how is going to end? And it ended in the tenth or eleventh room. I stood by the door leading into the next chamber, staring at a largish, three-by-four-foot gilded rectangle, and instead of myself I saw pitch-black nothing. Deep and inviting, it seemed to contain a perspective of its own - perhaps another enfilade. For a moment I felt dizzy; but as I was no novelist, I skipped the option and took a doorway.

All along it had been reasonably ghostly; now it became unreasonably so. The host and my companions lagged somewhere behind; I was on my own. There was a great deal of dust everywhere; the hues and shapes of everything in sight were mitigated by its gray. Marble inlaid tables, porcelain figurines, sofas, chairs, the very parquet. Everything was powdered with it, and sometimes, as with figurines and busts, the effect was oddly beneficial, accentuating their features, their folds, the vivacity of a group. But usually its layers was thick and solid; what's more, it had an air of finality, as though no new dust could be added to it. Every surface craves dust, for dust is the flesh of time, as a poet sait, time's very flesh and blood; but here the craving seemed to be over. Now it will seep into the objects themselves, I thought, fuse with them, aid in the end replace them. It depends of course on the material; some of it quite durable. They may not even disintegrate; they'll simply become grayer, as time would have nothing against assuming their shapes, the way it already had in this succession of vacuum chambers in which it was overtaking matter.

The last of them was the master bedroom. A gigantic yet uncovered four-poster bed dominated its space: the admiral's revenge for the narrow cot aboard his ship, or perhaps his homage to the sea itself. The latter was more probable, given the monstrous stucco cloud of putti descending on the bed and playing the role of baldachin. In fact, it was more sculpture than putti. The cherubs' faces were terribly grotesque: they all had these corrupt, lecherous grins as they stared - very keenly - downward upon the bed. They reminded me of that stable of giggling youths downstairs; and then I noticed a portable TV set in the corner of this otherwise absolutely bare room. I pictured the major domo entertaining his choice in this chamber: a writhing island of naked flesh amid a sea of linen, under the scrutiny of the dust-covered gypsum masterpiece. Oddly enough, I felt no repulsion. On the contrary, I felt that from time's point of view such entertainment here could only seem appropriate, as it generated nothing. After all, for three centuries, nothing here reigned supreme. Wars, revolutions, great discoveries, geniuses, plagues never entered here due to a legal problem. Causality was canceled, since its human carriers strolled in this perspective only in a care-taker capacity, once in a few years, if that. So the little wriggling shoal in the linen sea was, in fact, in tune with the premises, since it couldn't in nature give birth to anything. At best, the major domo's island - or should I say volcano? - existed only in the eyes of the putti. On the mirror's map it didn't. Neither did I.