segunda-feira, 28 de junho de 2021

Autotomia, Wisława Szymborska

Diante do perigo, a holotúria se divide em duas:
deixando uma sua metade ser devorada pelo mundo,
salvando-se com a outra metade.
Ela se bifurca subitamente em naufrágio e salvação,
em resgate e promessa, no que foi e no que será.
No centro do seu corpo irrompe um precipício
de duas bordas que se tornam estranhas uma à outra.
Sobre uma das bordas, a morte, sobre outra, a vida.
Aqui o desespero, ali a coragem.
Se há balança, nenhum prato pesa mais que o outro.
Se há justiça, ei-la aqui.
Morrer apenas o estritamente necessário, sem ultrapassar a medida.
Renascer o tanto preciso a partir do resto que se preservou.
Nós também sabemos nos dividir, é verdade.
Mas apenas em corpo e sussurros partidos.
Em corpo e poesia.
Aqui a garganta, do outro lado, o riso,
leve, logo abafado.
Aqui o coração pesado, ali o
Não Morrer Demais,
três pequenas palavras que são as três plumas de um vôo.
O abismo não nos divide.
O abismo nos cerca.

(tradução coletiva, publicado em Inimigo Rumor 10. Em https://www.escritas.org/pt/t/47864/autotomia)

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Oco

Uma rocha que parecia pesada,
em sua camada de granito forjado sob o sol.
De repente,
se mostrou leve, como um floco de neve,
frágil como folha seca.


No tempo de três músicas
Nevou em todo o interior de sua casca
Mesmo com as cobertas
A tempestade rugia internamente
Um escuro e um frio
Que fazia tempo que não sentia
Mas mesmo assim
Era só meu.

Se cava aos poucos um buraco imenso
Oco
Só os raios do sol habitam o espaço
Oco
Amanhã é preciso
Encher um pouco esse vazio
Imenso
Jogar areia para habitar
Tornar o vazio denso
Para poder ser habitado.