sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

balanço

ainda sobre a ficção

O conto "Cat Person" ficou na memória. A autora começa de modo sutil, quase como um romance juvenil e aos poucos, ao dar voz para os pensamentos de Margot, mostra como um simples encontro e o impulso de uma fantasia, se tornam em um pesadelo. O que mais me impressionou foi a transformação de Robert. De um rapaz aparentemente tímido, controlado, mas que durante o sexo traz o repertório dos filmes pornográficos para a realidade. Trata Margot como uma boneca inflável e isso está socialmente aceito.
Outro aspecto que ficou na memória é quando ela diz sobre a feição de desejo dele e dos outros namorados. É isso que a atrai no sexo, o fato de se sentir desejada.
Inspirada com o conto, escrevi as seguintes linhas:
*

M. Trabalhava na exposição no Sesc e quando não tinha movimento, a distração era em enviar mensagens para P. As confidências diárias eram muitas. Ele não se lembrava dela. Ela se lembrava que alguns meses atrás ficaram e apesar do final da noite, todo o esquenta e o rolê tinham sido bacana o suficiente para ela querer revê-lo. Como era questão, já que dissera para ele que haviam se encontrado no passado.

Um dia, depois de um mês de trocas de mensagens diárias ela o convidou para sua casa. Os pais estariam fora e ela se sentia confortável o suficiente para chamá-lo e estrear a nova lingerie preta. Na verdade, não era dela. Mas a irmã mais velha havia lhe dado. Ele estava ansioso e quando ela chamou, chegou de táxi.

M. estava com medo que ele a reconhecesse logo de cara e apagou todas as luzes da casa. Deixou o portão aberto e quando ele chegou, o guiou com a sua voz. Para ele, era tudo estranho e podia ser uma armadilha. A caminho do quarto, mesmo depois de vê-la de camisola branca e lingerie preta, ele não a reconheceu.

Ficaram juntos a noite. De um modo decepcionante que a realidade pode ser. Era uma cama de solteiro e incomodada, depois do ato, do grand finale, ela mudou de quarto e foi dormir em outra cama. Uma mais confortável, que pudesse dormir.

Ele acordou no meio da noite e achou que tinha entrado em uma cilada. Que alguém robaria seus rins.

Conversaram sobre.

Riram um pouco. Um riso nervoso.

E ele foi embora. Ela guiou em palavras o ponto de ônibus mais próximo. Depois disso, a conversa foi apagada. E nada disso existiu.

sábado, 16 de dezembro de 2017

só a ficção salva

1. ontem contei para D. a história de ficção que firmei na cabeça. ainda não tenho metáfora boa o suficiente para o que chamei de Sol. mas seguimos com a ideia.

2. a noite, diante da febril ressaca, pensei nos organismos e nos corpos, no controle pelos fluidos. era como se algo espesso e translúcido estivesse entre as nossas células, infiltradas por um organismo maior. na sonolência, tudo teve sentido.

3. da noite anterior e o sonho da montanha russa pelas ruínas do museu.

a história de A.P

a empatia é sentida bem perto do plexo solar. foi ali na cozinha que conheci A.P e logo ela me contou sobre a dificuldade que foi a gestação e o nascimento do primeiro filho. era aniversário de 5 anos da S. e enquanto todos se reuniam lá no fundo da casa, com o teor etílico aumentando gradativamente junto com o volume das vozes, ficamos conversando na cozinha. a família toda estava no ramo da salgaderia há pelo menos 30 anos e todos tinham queimadura de terceiro grau. isso apareceu quanto a Ia pegou uma bolinha de queijo e pediu para fritar mais um pouco. o queijo derrete depois que saiu da fritadeira, porque se continuar por mais tempo, ela explode, ela disse. achei impressionante porque há alguns anos, na mesma cozinha, uma das moças teve queimaduras por causa do óleo. foi no rosto e lembro que fiquei preocupada porque não sei direito como lidar com queimaduras. minha mãe já tinha dito que A.P era profissional e olhando pelo cuidado das fiações e os transformadores percebi que sim.

a tarde corria e junto com os salgados, hotdogs, pipoca, salada de macarrão. eu enchia cada vez mais meu copo de frisante, enquanto ia para lá e para cá, servindo para os pais e as crianças. uma das discussões ao fundo começou a ficar mais inflamada sobre a variável Bolsonaro. era o pai da melhor amiga da S. e acho que isso não era um bom começo de convivência com as famílias. de todo modo, o pai foi embora, com a desculpa de que o filho estava doente, o que foi desmentido com um não sei porque meu pai fala para falar que eu to doente, eu to bem.

de volta a cozinha, A.P me contou sobre o pai dela e como ela era filha de um estupro. a família era de Minas, bem humilde e a mãe veio para São Paulo para trabalhar como doméstica. o pai reapareceu quando A.P tinha 11 anos e lembra dele arrancando as unhas da mãe com alicate. (não quis aprofundar mais, isso sempre me toca e me faz ficar muito mal). a família de Minas era da cidade da manteiga Aviação. A.P conta que a indústria começou com uma portinha e que as tias sempre pegavam as embalagem que sobravam e a empresa jogava no lixo. com o crescimento da empresa, o que era antes descartado começou a ser cobrado e hoje vale R$ 8 centavos cada caixa.

final da tarde e A.P já ia embora quando dei um abraço nela e desejei que o aniversário de 40 anos, já próximo, fosse comemorado com muita alegria. desejei que ela fizesse a viagem que tanto queria, para algum lugar tranquilo, com o marido e com o filho. a noite, antes de dormir, com o coração pesado pensei que seria bom trazer em algum momento da vida da escrita essas histórias que carrego pelo contato ou convivência. lendo Bolaño e o capítulo Anne's life, acho que tive algumas ideias do que isso pode ser no futuro.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

rio de janeiro, 7 de dezembro de 2017.

#1 escrevo por estar longe de você. porque quando ao lado, é muito difícil ter os pensamentos como os que tive hoje. parece, de alguma forma, que a falta de filtro e a fluidez da sua companhia deixa tudo meio nebuloso. no olhar interno, digo. e claro que sinto sua falta. fez agora um ano que acordar ao seu lado me faz feliz. o modo como você pega a minha mão e a beija pela manhã. eu comecei a fazer isso também, porque suas mãos são tão bonitas, que seria quase um desaforo que só as minhas cantassem em uníssono e as suas ficassem sem esse gesto de expressão tão significativo.

#2 na livraria, quase há pouco. queria ter um caderninho para que pudesse olhar com mais atenção meus sentimentos naquele momento. tinha um lançamento de um livro, com coquetel e pessoas fazendo fila para o autógrafo. acho que o título fazia referência sobre o Brasil e a Namíbia. eu entrei deslocada, mas isso me acompanhou quase todo o dia. folheei Sebald, e pensei em Carolina. olhei Emily Dickinson e era Juliana ao lado de Diego, com Cohen. olhei os dois e pensei se valeria ou não a aquisição. pensei que precisava de literatura inglesa, para fazer jus a sensação de deslocamento que estava tendo desde que a Ia foi embora pela manhã. o museu do silêncio ainda não reverberava e precisava realmente sentir as palavras de outro modo. sair de mim. mas não era o tipo de imersão fílmica que eu precisava. dali da livraria, depois de comprar Bolaño em inglês, tomei uma soda no café do mezanino. é uma bela livraria, sem aquelas frases deslocadas que ultimamente todos os lugares gostam de estampar nos vidros e nas paredes. até a pastelaria perto de casa colocou Fernando Pessoa, na parede branca inundada pelo cheiro e a gordura do óleo. ao lado a direita, um rapaz falava para uma garota sobre seguros. a esquerda, dois homens e uma garota comentaram sobre Villa-Lobos. naquela inexatidão toda, derrubei soda no livro que acabava de comprar. melhor fechar e olhar para o celular, falar com D. que estava todo dia virtualmente ao meu lado. postar uma foto no stories também parecia, em algum momento, importante para registrar o dia. antes, talvez não me sentisse tão vulnerável tecnologicamente, mas também acho que depois de tanto tempo de flanagem, tudo cansa um pouco, e já não tem mais o verniz da novidade. ultimamente tenho gostado de viajar acompanhada, desde que intercale de alguma forma como esses momentos como hoje.
voltando. ao ver todos aqueles autores, pensando sobre o ano (até o spotify trouxe a retrospectiva das músicas mais ouvidas), pensei em como seria bacana ter um livro de literatura publicado. não como o da Alameda, acadêmico, mas algo que trouxesse para a superfície essas percepções diárias em forma de ficção. voltei um pouco a adolescência em imaginar como gostaria de ser quando crescer. de certa forma, já estava tudo ali. eu. minha carreira. aspirações e gostos que ultimamente tem mudado tanto. mas acho que é um projeto importante para a próxima década. se algo tem aparecido com frequência, é o desejo da escrita. mas para isso, escrever, escrever, até fazer algo diferente. talvez o blog ajude na difícil tarefa de escrever em não primeira pessoa.

#3 na praia. sempre fico impressionada em quanto água os nossos olhos podem perceber. a água estava fria, com muita correnteza e força na quebra das ondas. não consegui ficar muito tempo, mas o suficiente para não criar aquela sensação de que preciso de qualquer modo sair do lugar. a saturação que aconteceu no restaurante no leblon, no café e na livraria. eram lugares de passagem, mas que na minha dúvida para onde ir, insistiram mais na sua função inicial.