sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
ainda sobre a ficção
Outro aspecto que ficou na memória é quando ela diz sobre a feição de desejo dele e dos outros namorados. É isso que a atrai no sexo, o fato de se sentir desejada.
Inspirada com o conto, escrevi as seguintes linhas:
*
M. Trabalhava na exposição no Sesc e quando não tinha movimento, a distração era em enviar mensagens para P. As confidências diárias eram muitas. Ele não se lembrava dela. Ela se lembrava que alguns meses atrás ficaram e apesar do final da noite, todo o esquenta e o rolê tinham sido bacana o suficiente para ela querer revê-lo. Como era questão, já que dissera para ele que haviam se encontrado no passado.
Um dia, depois de um mês de trocas de mensagens diárias ela o convidou para sua casa. Os pais estariam fora e ela se sentia confortável o suficiente para chamá-lo e estrear a nova lingerie preta. Na verdade, não era dela. Mas a irmã mais velha havia lhe dado. Ele estava ansioso e quando ela chamou, chegou de táxi.
M. estava com medo que ele a reconhecesse logo de cara e apagou todas as luzes da casa. Deixou o portão aberto e quando ele chegou, o guiou com a sua voz. Para ele, era tudo estranho e podia ser uma armadilha. A caminho do quarto, mesmo depois de vê-la de camisola branca e lingerie preta, ele não a reconheceu.
Ficaram juntos a noite. De um modo decepcionante que a realidade pode ser. Era uma cama de solteiro e incomodada, depois do ato, do grand finale, ela mudou de quarto e foi dormir em outra cama. Uma mais confortável, que pudesse dormir.
Ele acordou no meio da noite e achou que tinha entrado em uma cilada. Que alguém robaria seus rins.
Conversaram sobre.
Riram um pouco. Um riso nervoso.
E ele foi embora. Ela guiou em palavras o ponto de ônibus mais próximo. Depois disso, a conversa foi apagada. E nada disso existiu.
sábado, 16 de dezembro de 2017
só a ficção salva
2. a noite, diante da febril ressaca, pensei nos organismos e nos corpos, no controle pelos fluidos. era como se algo espesso e translúcido estivesse entre as nossas células, infiltradas por um organismo maior. na sonolência, tudo teve sentido.
3. da noite anterior e o sonho da montanha russa pelas ruínas do museu.
a história de A.P
a tarde corria e junto com os salgados, hotdogs, pipoca, salada de macarrão. eu enchia cada vez mais meu copo de frisante, enquanto ia para lá e para cá, servindo para os pais e as crianças. uma das discussões ao fundo começou a ficar mais inflamada sobre a variável Bolsonaro. era o pai da melhor amiga da S. e acho que isso não era um bom começo de convivência com as famílias. de todo modo, o pai foi embora, com a desculpa de que o filho estava doente, o que foi desmentido com um não sei porque meu pai fala para falar que eu to doente, eu to bem.
de volta a cozinha, A.P me contou sobre o pai dela e como ela era filha de um estupro. a família era de Minas, bem humilde e a mãe veio para São Paulo para trabalhar como doméstica. o pai reapareceu quando A.P tinha 11 anos e lembra dele arrancando as unhas da mãe com alicate. (não quis aprofundar mais, isso sempre me toca e me faz ficar muito mal). a família de Minas era da cidade da manteiga Aviação. A.P conta que a indústria começou com uma portinha e que as tias sempre pegavam as embalagem que sobravam e a empresa jogava no lixo. com o crescimento da empresa, o que era antes descartado começou a ser cobrado e hoje vale R$ 8 centavos cada caixa.
final da tarde e A.P já ia embora quando dei um abraço nela e desejei que o aniversário de 40 anos, já próximo, fosse comemorado com muita alegria. desejei que ela fizesse a viagem que tanto queria, para algum lugar tranquilo, com o marido e com o filho. a noite, antes de dormir, com o coração pesado pensei que seria bom trazer em algum momento da vida da escrita essas histórias que carrego pelo contato ou convivência. lendo Bolaño e o capítulo Anne's life, acho que tive algumas ideias do que isso pode ser no futuro.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
rio de janeiro, 7 de dezembro de 2017.
#2
na livraria, quase há pouco. queria ter um caderninho para que pudesse olhar com mais atenção meus sentimentos naquele momento. tinha um lançamento de um livro, com coquetel e pessoas fazendo fila para o autógrafo. acho que o título fazia referência sobre o Brasil e a Namíbia. eu entrei deslocada, mas isso me acompanhou quase todo o dia. folheei Sebald, e pensei em Carolina. olhei Emily Dickinson e era Juliana ao lado de Diego, com Cohen. olhei os dois e pensei se valeria ou não a aquisição. pensei que precisava de literatura inglesa, para fazer jus a sensação de deslocamento que estava tendo desde que a Ia foi embora pela manhã. o museu do silêncio ainda não reverberava e precisava realmente sentir as palavras de outro modo. sair de mim. mas não era o tipo de imersão fílmica que eu precisava. dali da livraria, depois de comprar Bolaño em inglês, tomei uma soda no café do mezanino. é uma bela livraria, sem aquelas frases deslocadas que ultimamente todos os lugares gostam de estampar nos vidros e nas paredes. até a pastelaria perto de casa colocou Fernando Pessoa, na parede branca inundada pelo cheiro e a gordura do óleo. ao lado a direita, um rapaz falava para uma garota sobre seguros. a esquerda, dois homens e uma garota comentaram sobre Villa-Lobos. naquela inexatidão toda, derrubei soda no livro que acabava de comprar. melhor fechar e olhar para o celular, falar com D. que estava todo dia virtualmente ao meu lado. postar uma foto no stories também parecia, em algum momento, importante para registrar o dia. antes, talvez não me sentisse tão vulnerável tecnologicamente, mas também acho que depois de tanto tempo de flanagem, tudo cansa um pouco, e já não tem mais o verniz da novidade. ultimamente tenho gostado de viajar acompanhada, desde que intercale de alguma forma como esses momentos como hoje.
voltando. ao ver todos aqueles autores, pensando sobre o ano (até o spotify trouxe a retrospectiva das músicas mais ouvidas), pensei em como seria bacana ter um livro de literatura publicado. não como o da Alameda, acadêmico, mas algo que trouxesse para a superfície essas percepções diárias em forma de ficção. voltei um pouco a adolescência em imaginar como gostaria de ser quando crescer. de certa forma, já estava tudo ali. eu. minha carreira. aspirações e gostos que ultimamente tem mudado tanto. mas acho que é um projeto importante para a próxima década. se algo tem aparecido com frequência, é o desejo da escrita. mas para isso, escrever, escrever, até fazer algo diferente. talvez o blog ajude na difícil tarefa de escrever em não primeira pessoa.
#3 na praia. sempre fico impressionada em quanto água os nossos olhos podem perceber. a água estava fria, com muita correnteza e força na quebra das ondas. não consegui ficar muito tempo, mas o suficiente para não criar aquela sensação de que preciso de qualquer modo sair do lugar. a saturação que aconteceu no restaurante no leblon, no café e na livraria. eram lugares de passagem, mas que na minha dúvida para onde ir, insistiram mais na sua função inicial.