Uma arte e bem difícil e bem útil é a Arte de Dizer "Não".
Clement Marot, que foi o último desses "bons becs en parler direct"[bons bicos em falar diretamente] "que espiritualizaram o Doce Paig da França nas vésperas do Renascimento; o gentil Marot pos um dia no simples título de uma sua pequena peça toda uma bem espremida síntese dessa complicada sabedoria. Imitando ainda uma vez o seu tão imitado Uvillon, chamou assim o favorito palaciano de Margarida de Navarra a sua esperta "badinage" [brincadeira] "Um doux nenny avec un doux sourire" [um doce nãozinho com um doce sorriso]
"Nenny", um "não" pequenino...
Que pena não existir na nossa rude língua peninsular e navegadora ____ fala de marujos livres, que sabe e que surgem em mar-alto - um, como esse, familiar amortecedor da áspera negativa!
"Não"...isso será sempre brusco, seco e agressivo, por mais e melhor que a gente avance demoradamente, separando-as, as duas vogais do ditongo nasal "Não"... Isso terá sempre toda a rapidez aguda, apunhalante dos monossílabos. É preciso limar, lixar, polir essa aresta maldosa. Mas como?
Abrandando-a embalando-a com as duas sílabas fofas, algodoadas dos diminutivos: "Nãozinho"?
Nada disso. No título delicioso e delicado de Marot, fiquemos só com a segunda, sempre praticável metade "un doux sourire"
Você, por exemplo, pequena leitora casual, aprenda o "doce sorriso" de Marot. E se as teimosas interrogações da vida insistirem, e for mesmo preciso dizer "Não" faça sair dos seus lábios apenas a mais linda forma do silêncio: um beijo.
Depois diga simplesmente "Não". E passe de novo o "batom" morno e oleoso. Ficará vestido de púrpura - com a majestade de púrpura que faz obedecer e admirar porque da soberania e beleza - a pequena palavra plebéia.
G. de M.
quarta-feira, 13 de maio de 2020
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