quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

ex. 2

será que a gente entra agora naquele momento da vida em que não mais sente o tempo de modo vagaroso? a sucessão contínua de eventos, misturada a certo cansaço, podem aparecer de forma tardia satisfatoriamente?

ex. 1

era um final de tarde ameno no praia. a luz do sol parecia invadir inesperadamente o mar e todos os banhistas que estavam nas cadeiras de praia, reunidos em formato de meia lua. uma cena se destacava em pleno final do expediente (ou seria meu próprio olhar enviesado que focava a atenção para algo que é normal, cotidiano?). uma roda de homens jogava futebol, embaixadinhas e divertiam-se como crianças. alguém, sem perceber, em um reflexo inesperado, resolveu dar um soco na bola, em vez de atingi-la com a cabeça ou com os pés. todos riram. era um pouco do senso de coletividade que via-se na areia. reunião e alegria por compartilhar a vista imensa do mar. era uma cena que poderia ocorrer tanto antes como depois da pandemia. atemporal, o mar viu novamente tudo isso, depois de um longo período de ausência humana.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

I believe I can fly!

"Um chifre é formado lentamente por meio de queratina e fibras e é tão duro que pode derrubar uma grossa parede de cimento em um simples movimento de baixo para cima. É como uma espada, acoplada no meio da testa, mortal". Essas palavras ressoaram na mente de Cavaleiro. Ele abriu os olhos e não reconheceu onde estava. Sentia dor na cabeça e seu corpo todo pesava, como se puxasse ele para o centro da Terra. O equilíbrio estava comprometido e era difícil colocar uma pata após a outra. Caminhando aos poucos até o riacho próximo, olhou com assombro o reflexo na água. Seu chifre não estava mais onde sempre estivera. Alguém havia roubado o seu chifre e ele estava em uma terra desconhecida.

Tudo parecia igual, rio, planícies verdejantes, mas ele não via seus companheiros e companheiras em lugar nenhum. Cavaleiro, como um unicórnio, se é que poderia ser chamado agora de "um só chifre", estava sozinho e não sabia para onde ir. Vagou assim por dias até encontrar um celeiro com cerca de quatro cavalos e quatro éguas. Todos eles tinham visto algo parecido com um cavalo branco, um pouco estranho se aproximar aos poucos. Cavaleiro chegou com a cabeça baixa e só levantou quando ouviu Árion, o líder do celeiro dizer: - Alto lá, quem se aproxima? - Me chamo Cavaleiro, estou perdido. Levaram meu chifre e agora não sei onde estou. - Você é um unicórnio? Que piada, todos sabem que unicórnio é um ser mitológico que não existe! Até seu nome é de cavalo! - É verdade, eu juro! Não tenho como provar, mas meu chifre ficava aqui no meio da testa e eu não era o único. - Chega! Expulsem esse cavalo da minha frente! Todos os cavalos e éguas, com exceção de Árion, se sentiram comovidos com a situação. Decidiram mesmo com a ordem de expulsão não acatarem ao líder e votar o que achavam certo, sobre o destino de Cavaleiro. Epona, uma égua sábia disse ao grupo: - Não podemos permitir que apenas uma pessoa decida sobre o destino desse pobre cavalo. Eu voto para que o Cavaleiro junte-se a nós no celeiro. Aos poucos, depois de muito pensar, todos votaram para convidar Cavaleiro a fazer parte do grupo: - Escute Cavaleiro, disse Epona, aqui é um lugar simples, mas se quiser se juntar a nós, será um prazer tê-lo no nosso grupo. Cavaleiro se sentiu acolhido pela primeira vez, desde a tragédia de levarem o seu chifre. Ele nunca entendeu quem o raptou e qual a razão de tamanha brutalidade. Apesar disso, ficou feliz e concordou com a cabeça.

Árion não gostou da decisão, mas não podia fazer nada diante das decisões democráticas. Epona era a sua filha e ela tinha tomado a dianteira para convocar a assembleia. Os dias foram passando, chegou o verão, o outono, o inverno e com a chegada da primavera, sem perceber, o amor de Cavaleiro e Epona foi se fortalecendo. Todos os cavalos e éguas já tinham percebido esse movimento. Apenas o coração dos dois tolos é que demorou para entender que aquilo que eles sentiam, palpitação no coração, insônia, era na verdade, amor. Passaram-se mais dois ciclos da natureza e um dia veio ao mundo uma pequena potra, que Cavaleiro e Epona chamaram de Nozinha, porque quando nasceu havia um nó no seu rabo. Ficaram tão intrigados com esse nó que não perceberam que no meio da testa havia uma mancha. Conforme Nozinha foi crescendo, essa mancha foi formando um relevo. Já grande, Nozinha, que era mais parecida com Nozona, formou um belo chifre. Nozinha era um unicórnio.

Quando perceberam, todos no celeiro lembravam de quando Cavaleiro chegou na comunidade. Fizeram bem em convidá-lo, independente se ele era ou não um unicórnio. Um dia, Cavaleiro então contou para Nozinha de onde ele viera, de como era sua família e como o chifre era algo que estava relacionado com a identidade de seu povo. Ao ouvir, Nozinha decidiu ir atrás de seus antepassados, conhecer outros mundos, experimentar outros ares. Seu pai lhe disse que o chifre ia guiá-la para onde quer que fosse, mais do que uma arma mortal, ele era uma bússola para a sua intuição. Epona ficou com o coração apertado ao ouvir a decisão da filha, mas achou que ela já tinha idade suficiente para partir. Então, em um belo dia de outono, Nozinha juntou algumas provisões e seguiu em direção ao leste. Ela ouvira do castor, alguns dias atrás, que um ser com asas, parecido com um cavalo, havia aparecido perto da colina. Sem olhar para trás, seguiu assim para uma nova aventura!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

1Q84 - livro 1

p. 72
"- Quando escrevo um romance, eu utilizo as palavras para substituir a paisagem do meu entorno em algo que se torna mais natural para mim. Ou seja, eu a reorganizo. Ao fazer isso, me certifico de que sou um ser humano que realmente existe neste mundo.""

p. 251
"À medida que essas dúvidas aumentavam, Tengo resolveu se distanciar da matemática. Assim, a floresta de histórias passou a exercer umaa atração ainda mais intensa sobre ele. É claro que ler histórias também não deixava de ser um tipo de fuga, pois, ao fechas as páginas do livro, era preciso voltar ao mundo real. No entando, certo dia, Tengo percebeu que o retorno do mundo das histórias não era tão frustranque quanto o do mundo da matemática. Mas por quê? Pensou seriamente e chegou à seguinte conclusão: na floresta de histórias, independentemente de elucidar as intrínsecas relações entre os fatos, não há como obter uma resposta clara. Esse era o ponto que a distinguia da matemática. A finalidade da narrativa, em linhas gerais, é desenvolver um problema colocando-o sob outro parâmetro. Conforme a maneira de se expressar e o sentido dessa colocação, a própria história é que vai sugerir algumas respostas possíveis. Era com essas sugestões em mãos que Tengo voltava para o mundo real.""

p. 278
"No entanto, em meio a essa tranquilidade, havia uma pequena mudança. Uma mudança boa. Enquanto escrevia seu romance, Tengo percebeu que uma nova fonte passara a existir dentro dele. Não que fosse uma fonte de águas abundantes, mas uma bem pequena e modesta, a correr entre os rochedos. Apesar de o volume de água ainda ser pequeno, ela brotava pouco a pouco, ininterruptamente. Tengo não precisava ter pressa nem se afobar. Era só esperar a água acumular nos espaços entre as rochas. Uma vez acumulada, bastava recolhê-la com as mãos e, em seguida, se sentar em frente à mesa e transformá-la em texto. Era assim, de modo espontâneo, que sua história se desenvolvia.""

p. 315
"- Os homens produzem diariamente milhões de espermatozoides. Os homens liberam tudo isso de uma só vez. Mas a quantidade de óvulos maduros que a mulher produz é limitada. Você sabe quantos são?
- Não sei a quantidade correta.
- Durante a vida não passam de quatrocentros - disse a velha senhora. - Os óvulos não são reproduzidos mensalmente, eles estão armazenados dentro da mulher desde o nascimento. Após a primeira menstruação, todo mês um deles amadurece e é liberado."