sábado, 7 de dezembro de 2019

veneza, 7 jul. 2019

a cidade que transborda
carrega tantas histórias e expectativas
dos casais amantes
dos amigos
das lembranças futuras das crianças que por aqui passaram

é também a cidade que transborda
em nível o seu passado

os animais sentem
a abelha sinaliza a porta errada
as gaivotas, de humor tão temperamental
anunciam mensagens de boa sorte.

aqui, de 1 a 8/12

porta que abre
fecha

divide.

o que é o espaço senão esse lugar que é constantemente atravessado por coisas pessoas sentimento saudade.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Tutti Veneziani

Venice transforms every action into a theatrical gesture. The city is itself is ultimately a stage. Its images are so extremely 'medialized' that the original has to compete with the copy in the head of its viewers. Venice plays Venice every day. And anyone moving in the city becomes part of this play.
Throughout centuries the constructed myth of the drowning city and its magnificence turned Venice into something like a theme park for an existential experience of 'grandeur and the ephemeral': water, sky and the unsafe ground.
Archetypal images conjure up vessels deftly oared by gondoliers through narrow canals. Trust them. In Venice such trips are journeys through inner worlds of images - dream and real like occurring simultaneously. So death is always present in Venice. The imaginary and the real go hand in hand, death in life, life in death, inner and outer worlds.
Whoever lives in or passes through Venice plays a part in this drama. The drowning Venice can be taken as a metaphor for civilization. Siamo tutti Venetian - "we are all Venetian".

Cecilia Liveriero Lavelli

Veneza transforma cada ação em um gesto teatral. A cidade em si é, em última análise, um palco. Suas imagens são tão "medializadas" que o original precisa competir com a cópia na cabeça de seus espectadores. Veneza joga Veneza todos os dias. E qualquer pessoa que se mude na cidade se torna parte dessa peça. Ao longo dos séculos, o mito construído da cidade que se afogava e sua magnificência transformaram Veneza em algo como um parque temático para uma experiência existencial de "grandeza e efêmera": água, céu e terreno inseguro. Imagens arquetípicas evocam embarcações habilmente conduzidas por gondoleiros através de canais estreitos. Confie neles. Em Veneza, essas viagens são jornadas através dos mundos internos das imagens - sonho e real, como ocorrendo simultaneamente. Então a morte está sempre presente em Veneza. O imaginário e o real andam de mãos dadas, morte na vida, vida na morte, mundos interno e externo. Quem vive ou passa por Veneza faz parte desse drama. A Veneza que está se afogando pode ser tomada como uma metáfora da civilização. Siamo tutti Venetian - "somos todos venezianos".

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

The Chrysanthemum and the Guillotine (film)

To the voice I hear from the north

Tell me where a wonderful country is

For guilty and weak people to live

Where is it?

Il respiro di Venezia

BRUNO, Giuseppe. Il respiro di Venezia. Texto de Fernand Braudel. Verona: Cierre edizioni, 1987. Venezia di Fernand Braudel

p. 12
L’acqua, sempre l’acqua: è la matéria, il materiale dela città. E prima di tutto l’acqua della laguna, che di Venezia è la matrice. Ma chi lo sa? I canali, anche i più gloriosi, la cui imagine canta nella mostra memoria, sono conseguenze, non la causa prima.

p. 13
Venezia è Penelope com la sua tela. A questo prezo si è ingrandita e svilupata e, como se vi fosse posto per um solo sucesso urbano, le altre isole della laguna sono vissute ala sua ombra, come hannon poputo. Murano è divenuta l’isola sovrappopolata dei vetrai perché Venezia, a partire dal 1290, non há più tollerato presso di sé i pericoli di quell’arte fondata sul fuoco. Burano há vissuto umilmennte del lavoro dele sue merlettaie e dei suoi pescatori. Il Lido, strana isola costituita soltanto di uma língua di sabbia, è rimasto per molto tempo uma spiaggia deserta. Nel Cinquecento la Signoria vi faceva provare i suoi pezzi dell’artigleria, e i buoi importante dall’ Ungheria e dalla Polonia vi si riposavano dalle fetiche del loro interminabile viaggio prima di raggiungere i macelli dele Beccarie, vicino a Rialto.

p. 13/14
Dunque, per capire Venezia, basta guardar ela laguna dall’alto del campanille di San Marco o da um elicottero, ,oppure attraversarla com il vaporetto che scende, a sudovest, fino a Chioggia? Non è meglio passegiare lungo le sue rive, perdersi um po’? La laguna rappresenta le prime dimensioni della vita e della storia di Venezia; la laguna che la protege, la laguna che la invade com il flusso montante della sua marea e la spazza ririrandosi, la laguna, via del mondo. La língua di sabbia che lasbarra si apriva um tempo com cinque porte difficile da varcare. Oggi ne rimangono ter: San Nicolò, Malamocco e Chioggia. Per molto tempo Malamocco, la più importante, è stata il passagio obbligato, difficile e volutamente mantenuto tale. I veneziani, spiegava Montesquieu, “non osano rendere più profondo il canale di Malamocco per paura che vi entrino le flotte nemiche”.

p. 17
Il miracolo è che tali pintu di riferimento, che non hanno mail a stessa età, convivono e si confondono, rimescolando il passato e intersecandolo incessantemente. Non esistono linguaggi diversi, mas um sono linguaggio che di tutti si compone; non uma sola época, ma um accavallarsi di epoche. Ascoltiamo Le Corbuisier, che anche lui, a Veneza, há sognato. È su quella piazza San Marco della quale abbiamo visto tanto spesso l’imagine da trovarne naturali gli accostamenti. Eppure che lesione! “Venezia, piazza San Marco, “anota Le Corbuiser, “associazione límpida e brillante di epoche successive; Procuratie Vecchie, Procuratie Nuove, San Marco românica, com le cupole orientallegianti e i riami di um gótico slegato da qualsiasi altro; Il Campanile, il favoloso campanile...Il Palazzo Ducale com le sue colonne. Tutte le tecniche, tutti i material...Venezia offre la sua magistrale lesione di armonia”.

Torcello, Cattedrale di Santa Maria. XIII sec

Torcello. Cattedrale di Santa Maria. Capitello, represa in stile venetico di foggie antiche, XI sec.

Venezia. Chiostro dell’ex convento di Sant’Apollonia in stile românico, XII sec.

Venezia. Palazzo Cavalli-Franchetti XV secolo: ampliamento risalente al XIX secolo, Camillo Boito.

Venezia. Basilica di San Marco, parete del Tesoro verso la Piazzeta: marmi e plutei bizantini, IX-XI sec.

Venezia. Rio dei San Trovaso: piccola bifora in stile gótico fiorito

Venezia. Ca’ d’Oro: facciata in stile gótico veneziano, 1434

Venezia. Chies adi San Zaccaria: Primo livello della facciata in stile gótico, 1458-81. A. Gambello

Murano. Chiesa dei Santi Maria e Donato: pavimento a mosaico, 1140 ca

San Pietro in Volta. Architettura veneziana in laguna.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

escala.

o que faz com que eu identifique a artificialidade dessas imagens?

Tsuyoshi Tane

você nunca fez nada errado.

querido F.,

primeiramente, me desculpe. demorei tanto para ler o seu livro que mesmo feliz em ver o lançamento aqui em São Paulo, engolia um pouco a seco a saliva envergonhada.

acho que tinha medo da sinceridade absurda que me esperava e que todos diziam. ou também tinha medo da postura do observador que lê, passivo, coisas que ele não pode mudar. porque aconteceram no passado. e/ou porque alguma razão não se estava lá. (no caso, eu não estava porque ainda não te conhecia, diz minha consciência). ou porque te conheço agora e ler a sua dor, me machucaria de alguma forma. ainda não sei a razão de protelar. muitos porquês e todos um pouco egoístas.

mas ao contrário do que eu pensava, a leitura foi a conversa com um amigo sobre o seu passado. comecei a ler na padaria, tomando suco de tangerina. acho que precisava de algum ruído a mais, não podia ouvir só a sua voz.
aconteceu, de um modo meio narcísico de eu pensar em mim. na identidade e na fragilidade construída. na minha voz, como dizem que eu pareço calma. nos momentos de estouro (e sempre penso em um personagem padeiro da trilogia do Gorki). e mesmo te ouvindo eu me ouvia. não que eu chegue a entender completamente o que você viveu. isso é impossível. mas por meio da sua voz, eu pensei na minha.

dentre tantos relatos, gosto quando você insere outros amigos da literatura, do audiovisual, como o que você vivia refletia ao redor. Nan Goldin sempre me impressionou, mas vê-la pelos seus olhos me fez enxergar outra obra.

você diz que a Szymborska fala sobre "ser escritor nada mais é do que sentar-se diante do papel em branco e esperar por si mesmo". além disso, acho que ser escritor é fazer da vida uma eterna conversa com desconhecidos (ou conhecidos). é esse amor impossível de não saber com quem está falando ou como ressoa no outro que está além do tempo e do espaço.

te ver forte hoje me emociona, meu amigo. e sinto uma alegria imensa em pensar que esse ano começou ao redor de pessoas tão especiais, com uma compreensão do mundo admirável. obrigada por estar aqui.

chegar ao final e ver seu rosto na orelha do livro, faz pensar que além das palavras, a imagem. e como gosto dessa imagem que R. te fotografou.

com amor, C.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

novas derivas, de Crivelli

(...) ao analisar o termo grego theorein, James Clifford diz que ele define “uma prática de viagem e observação, um homem enviado pela polis para uma outra cidade para testemunhar uma cerimônia religiosa. ‘Teoria’ é o produto do deslocamento, da comparação, de uma certa distância. Para teorizar, é preciso deixar a própria casa. Mas como qualquer viagem, a teoria inicia e termina em algum lugar. No caso dos teóricos gregos o início e o fim eram o mesmo lugar, a polis de onde vinham. Isso não é tão simplesmente verdade para os teóricos do final do século XX”. Ou seja, se ainda hoje, como na antiga Grécia, “para teorizar, é pre- ciso deixar a própria casa”, ao deixá-la ninguém sabe muito bem para onde voltará, ou se existe em absoluto a possibilidade de um regresso, diferença ontológica que distingue, poder-se-ia dizer, a viagem da deriva. O escritor argentino Tomás Eloy Martínez afirmou algo parecido, ou talvez complementar, ao comentar a sua trajetória pessoal de exilado durante o período de ditadura militar no seu país: “Quando você volta ao lar do qual par- tiu, pensa que fechou o círculo, mas percebe que sua viagem foi só de ida. Do exílio ninguém regressa”15. Enquanto o exilado caminha por outras terras, a que ele deixou muda, deixa de existir do jeito que ele a conheceu, e se algum dia, por ventura, ele finalmente conseguir voltar, voltará a uma terra que já não lhe pertence. É só enquanto o exilado (o artista, o escritor, o crítico...) está no caminho, então, que ele realmente preserva a memória, no instante que ele para, a memória que o caminho conservava evaporará a contato do mundo.

Giuliana Bruno, crítica de cinema que deixou Nápoles e a Itália alguns anos antes de mim, ao concluir um livro fundamental sobre a importância de mapas e cartografias na produção artística e cine- matográfica contemporânea, atreveu-se a olhar para a relevância da posição, pessoal e única, de onde o crítico escreve: “mas, o que dizer da relação que o teórico trava com um conjunto de textos? O que é que leva o analista a escolher seu objeto? Com base em quê? Como pode, o cinema, ser um objeto de desejo, o lugar das ligações de amor e domínio, uma construção emocional? Em que “architexture” se funda essa relação? (...) enfim, o que é que devemos ou podemos dizer da viagem crítica?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

#1. segunda-feira

a pesquisa começa com um foco bem específico. mídia: o vídeo, imagens em movimento e a complexidade que a mídia traz em seu um lugar 'entre', um estado, uma forma que pensa.

lugar de exibição do formato da mídia escolhida: bienais de arte contemporânea, com três edições bem definidas pelo enfoque audiovisual. existe aqui a complexidade de pensar o formato nacional x internacional. discurso de arte glocal e toda a complexidade de globalização e neoliberalismo incorporados neste conceito de lugar.

o terceiro elemento traz o enfoque da arquitetura: pavilhões nacionais/representações nacionais e a não mais a absorção do modelo feiras mundiais do fim do século 19. ruína de lado da concepção modernista. do outro, marketing cultural de valorização do 'aqui e agora'. e toda a complexidade de criação site-specific nas instalações.

quase esqueço o quarto aspecto, dentre todo um dos mais importantes. inclusive para determinar a hipótese: o espectador movente, em trânsito, caminhando pelo espaço impunemente.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Homenagem de Claire Atherton a Chantal Akerman

Homenagem de Claire Atherton a Chantal Akerman. Texto retirado da exposição Chantal Akerman, Tempo Expandido, no Centro Cultural Oi Futuro, em janeiro de 2019.

Texto escrito e lido por Claire Atherton durante a homenagem a Chantal Akerman na Cinémathèque Française, em 16 de novembro de 2015, antes da estréia de Não é um filme caseiro [No Home Movie]

Sempre imaginei a estréia de Não é um filme caseiro. Mas nunca assim… Quero lhes contar sobre Chantal. Tudo que ela me deu, tudo que me ensinou, tudo que compartilhamos. Dizer como ela era: cheia de vida, inteligente, surpreendente e divertida também… Costumam dizer que Chantal tinha princípios estéticos. Bem, acredito que princípios nos protegem, e Chantal não se protegia. Ela confiava no acontecimento, sabia acolher o acaso. Estou pensando em uma história que ilustra sua forma de trabalhar. Durante a produção de A loucura de Almayer [La folie Almayer, 2011], ela precisava de um porto. A assistente perguntou se ela queria um porto grande ou pequeno. Ela respondeu, "um porto grande". Então, mais tarde, perguntaram se ela tinha certeza de que queria um porto grande, porque talvez um pequeno fosse mais tranqüilo. Eu me lembro que estávamos andando na rua, e Chantal estava ao telefone. Ela parou, bateu os pés e disse: "Eu quero um porto grande, foi o que eu disse, não me peça para explicar o porquê". Ela não queria justificar seu gesto, mas acolhê-lo, transformá-lo e quem sabe depois entendê-lo. Chantal era muito livre e intuitiva, às vezes provocativa. Não tinha proibições. Não dizia "temos que filmar assim, enquadrar desse jeito, não pode fazer assim, não pode fazer assado". Suas escolhas vinhas de dentro. Ela era guiada pelo que sentia. Tinha mais uma relação física que cerebral com a imagem, com as cores, com os sons, com o ritmo. Ao editar, nunca a ouvi dizer: "Eu tenho uma ideia". Ela dizia: "Eu ouvi isso", ou "pensei nisso", ou "quero isso", ou "estou obcecada com isso". Mas nunca: "Eu tenho uma ideia".

Quando estava prestes a fazer um documentário não gostava de explicar o que ia fazer. Se explicasse, não teria mais o desejo de realizá-lo. Gostava de ir para a locação e ser como uma chapa fotossensível, uma esponja. Não queria limitar o filme a um projeto, mas permitir que ele viesse até ela e se deixar levar pelo material. Se as imagens de Chantal são tão profundas e marcantes, se vão além daquilo que mostram, é porque não estão confinadas a intenções, mas sim carregadas de todas as preocupações e obsessões que a habitavam. Essa maneira de trabalhar, de "descobrir fazendo" era ainda mais forte quando criava instalações. Em relação a um projeto de instalação desses, Chantal escreveu: "Eu tinha dito muitas coisas sobre a instalação que se seguiu a D'Est (From the East, 1993) antes de realizá-la e entendo que, mais que filmes, instalações não podem ser descritas de antemão. Elas vão nascendo pouco a pouco, por intermédio da própria obra. Aqui, também, não direi nada, exceto pela necessidade de fragmentação, porque isso demonstra bem que não podemos mostrar tudo de um mundo". Durante a edição de D'Est, sentimos que os longos travellings nos rostos de pessoas esperando, as imagens das pessoas andando faziam alusão a outras pessoas esperando ou caminhando, a outras filas, a outras histórias dentro da história, mas não conversamos sobre isso. Foi somente um ano depois, quando estávamos montando a instalação D'Est au bord de la fiction (From the East: Bordering on Fiction, 1995) que Chantal acrescentou um texto sobre os ecos dessas imagens. Vou ler para vocês as palavras do final do texto da 25a. tela:

Ontem, hoje e amanhã, houve, haverá, há, neste exato momento, pessoas às quais a história (que nem sequer leva mais o H maiúsculo), às quais a história atingiu.

Pessoas esperando, aglutinadas, para ser mortas, para apanhar ou morrer de fome, ou que andam sem saber para onde estão indo, em grupos ou sozinhas. Não há nada a fazer. é obsessivo, e eu estou obcecada. Apesar do violoncelo, apesar do cinema. Quando o filme terminou, eu disse a mim mesma: "Então, era disso que se tratava, novamente".

Chantal gostava de planos frontais. Não se tratava de uma decisão formal, mas um gosto, quase uma necessidade. O eixo frontal não descreve, não designa, mas cria um espaço de percepção e reflexão. Também trabalhávamos esse espaço durante a edição. é um espaço deixado para os espectadores, de modo que possam experimentar, sentir e buscar. Chantal insistia que os espectadores fizessem sua parte do trabalho. Ela dizia que queria que as pessoas sentissem a passagem do tempo em seus filmes. Quando alguém dizia, "ah, eu acabei de ver um ótimo filme, nem percebi o tempo passar", ela não considerava isso um elogia. Achava que o tempo do espectador havia sido roubado. Durante a edição, nunca dizíamos: "aqui a gente precisa de um plano longo". Fazíamos isso intuitivamente e entendíamos, mais tarde, o porquê. é como se os próprios planos impusessem sua duração. Chantal gostava de contar sobre como íamos para a mesa exatamente ao mesmo tempo, indicando que era hora de cortar o plano. Víamos as mesmas coisas. Lembro de uma vez, depois de assistir a uma exibição de um trabalho em andamento, uma de nós disse que um determinado travelling estava longo demais, e outra, que estava curto demais. Chantal conclui: "nós concordamos, isso significa que há um problema!".

A partir do momento em que o filme passava a existir, ele rejeitava certas cenas, então não hesitávamos em subtrair ou encurtar. Se o filme recusasse um plano, ainda que bonito, não insistíamos. Muitas vezes, isso dava força ao que se seguia e, então, o filme ganhava com isso. Costumávamos dizer que a edição é um jogo de "vitórias perdedoras". Cada filme, cada instalação era como a primeira vez. Não tínhamos regras, medos ou barreiras, cada vez que entrávamos em uma nova aventura sensorial e intelectual. Nossas trocas eram muito simples. Dizíamos poucas palavras, como se muitas palavras pudessem arruinar alguma coisa. Costumávamos dizer, "é lindo" ou "é forte". Havia algumas palavras que gostávamos; ela dizia que tínhamos que ser drásticas, não fazer concessões. Também dizíamos que tínhamos que ir direto ao ponto. As vezes, eu dizia para ela: "temos que complexificar". Ela gostava dessa palavra. Dizia: "Isso, complexifique um pouco". Isso quando sentíamos que havia algo muito claro, linear demais. Complexificar não era complicar, era adicionar pesos e contrapesos, para moldar a tensão. Chantal não buscava verossimilhança ou realismo. Não tinha medo de anacronismos. Odiava o naturalismo. Nunca tentou copiar a realidade ou representá-la; ela a transformava. Em seus filmes, suas instalações, o presente, o visível dialogavam com o invisível, o subterrâneo. Ela gostava de citar [Edmond] Jabès: "toda interrogação está ligada ao olhar". Ela dizia que não sabia se era verdade, mas que isso a tocava. Chantal era alérgica ao psicologismo. O psicologismo é a explicação psicológica da ação e dos sentimentos. O cinema de Chantal nunca explica, ele nos questiona e nos confronta com nós mesmos. Por isso é tão poderoso e vivo.

Para Chantal, tudo era possível. Ela não queria se limitar a um gênero específico. Nunca quis fazer cinema elitista ou confidencial. Quando fez Um divã em Nova York [Un divã à New York, 1996], esperava fazer um filme comercial que todo mundo fosse ver. A propósito, ela sempre quis que todo mundo fosse ver seus filmes. Quando comecei a editar Um divã, Chantal ainda estava filmando. Fiquei surpresa com a quantidade de tomadas que havia por plano. Não estava acostumada a isso com Chantal; geralmente, quando ela achava que a tomada estava boa, passava para outra cena. Ao retornar, ela me explicou o porquê. Disse que havia tanto em jogo no filme, em termos financeiros, que pediram para ela fazer muitas tomadas "para se cobrirem". E ela me disse: "não se trata mais de se cobrir, virou uma verdadeira pilha de edredões!! E eu estou sufocando sob eles!" Sim, Chantal era engraçada. Nós nos esquecemos disso às vezes. Engraçada e livre. Incomum. Quando estávamos editando Sud, 1999, nós o fazíamos à tarde e, pela manhã, cada uma ia cuidar de suas coisas. Um dia eu apareci e ela disse: "o que você fez pela manhã?" Andava fazendo muito esse tipo de pergunta que joga conversa fora: o que você fez? O que você comeu…E eu disse: "Fiz umas cortinas". E elas respondeu> "Você fez cortinas sozinha? Isso me impressiona mais que se você tivesse recebido o Oscar de melhor montagem!" Para falar de Não é um filme caseiro, acredito que as palavras mais relevantes sejam aquelas escritas pela própria Chantal, alguns meses após a edição estar completa. Foi no outono de 2014.

Faz anos que eu comecei a filmar por toda parte, assim que pressentia uma cena. Sem um propósito, mas com a sensação de que um dia essas imagens comporiam um filme ou uma instalação. Eu me deixava levar, pelo desejo e pelo instinto. Sem roteiro, sem um projeto consciente. Dessas imagens nasceram três instalações que foram exibidas por toda parte. Nesta primavera, junto com Claire Atherton e Clemence Carré, reuni umas vinte horas de imagens e sons, ainda sem saber para onde estava indo. E começamos a esculpir o material. Essas vinte horas tornaram-se oito, depois seis e, depois de um certo tempo, duas. E então vimos… vimos um filme, e eu disse a mim mesma: é claro que é esse filme que eu queria fazer. Sem admitir para mim mesma. E, como se diz, o fio condutor desse filme é uma personagem, uma mulher nascida na Polônia, que chega à Bélgica em 1938, fugindo dos pogroms e do horror. Essa mulher é minha mãe. Dentro e apenas dentro de seu apartamento em Bruxelas.

A editora de cinema Claire Atherton começou a trabalhar com Chantal Akerman em 1984 em Letters Home, que desencadeou uma longa parceria em filmes de ficção, documentários e instalações.

Chantal

Em "Uma família em Bruxelas", Chantal Akerman apresenta seu monólogo, obra que foi traduzida e publicada em português em 2017. A todo momento sabemos da personagem principal, uma senhora que perdeu o marido e tem duas filhas: a de Menilmontant, solteira e dedicada ao trabalho; e a filha que mora mais longe, casada e com filhos. Não há nomes próprios e conhecemos os personagens e suas personalidades pelas ações. Não a toa, quando surge uma única vez o nome do marido, Jacques, o olhar recai com gravidade na palavra, como se houvesse ali uma palavra profana. Por traz da simplicidade no decorrer das ações banais, a construção akermaniana é complexa e exige tempo, disposição. A repetição está presente em todo repertório audiovisual e literário, algo como já foi descrito pelo poeta Manoel de Barros: "repetir, repetir - até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo".

De 26 de novembro de 2018 até 27 de janeiro de 2019, a exposição Tempo Expandido foi apresentada no Centro Cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Com curadoria de Evangelina Seiler, mostrou 5 instalações de Akerman: O Quarto (1972), Tombée de Nuit sur Shanghai (2009), Verão Maníaco (2009), Minha mãe ri, prelúdio (2012) e No espelho (2007). Nos deteremos na videoinstalação "Verão Maníaco" pois no nosso entender, trata-se de uma instalação que considera o espaço ao redor para a construção narrativa da obra.

Ao chegar na sala escura, a esquerda em um espaço que ocupa quase toda a parede, cenas do cotidiano são projetadas. Ali, Akerman grava-se no vídeo ao telefone, mas também grava cenas com crianças brincando no parque, ruas de dia e de noite, carros, esquinas com movimentações ordinárias. Do lado direito dessa grande tela, outros vídeos passam em um tamanho menor, como um carretel de imagens da esquerda para a direita. O que antes estava em evidência, desloca-se agora para direita. O que antes fora reproduzido na tela maior, passa o restante da sala, mas de forma diferente. A primeira parte da repetição das imagens estão divididas, sendo uma colorida e outra em preto e branco. Segue-se a direita com a mesma imagem, mas fragmentada em um detalhe específico do mesmo vídeo. é uma disposição que pede atenção para que seja percebido as repetições, mudança de cor, fragmento do vídeo. A imagem que ecoa e estiliza-se conforme o olhar passa da esquerda para a direita é sutil, não óbvia. E quando o espectador acostuma-se com essa disposição, Akerman quebra e mostra abaixo uma outra imagem, estilizada, em outro espaço que ainda não tinha sido habitado por esse lugar contínuo. é durante a transição da imagem grande para o seus ecos a direita é que ocorre essa quebra, como se ali houvesse o momento grave, o instante não esperado.

A instalação é percebida com tempo e precisa do espaço para que a narrativa crie sentido. Para que o espectador veja a imagem caminhando, primeiro em seu formato inicial, grande, para depois menor, para depois p&b, para depois estilizada com os pixels saltando a tela até o fragmento p&b tornar-se uma outra imagem, um outro lugar, agora já distante da primeira imagem. O Verão Maníaco de 2009 são como janelas de um tempo em que Chantal, obcecada em gravar a tudo e a todos naquela atmosfera, são registros para estarmos lá, no aqui e agora desse espaço-tempo do seu universo.