quarta-feira, 30 de abril de 2014

abril

querida L.,

sinto saudades imensas de você. acho que você é a única pessoa que conheci que partilha esse sentimento de ilha. as vezes tão desolador.
abril foi um mês festivo. teve o nascimento de uma criança e atos mergulhados em euforia. também houve crises frequentes em relação ao amor. defini aqui também um ninho afetivo, localizado nesse pequeno apartamento.
hoje faz seis meses que eu mudei para cá.
estou retomando os trabalhos aos poucos. não tenho a sua coragem. ainda me escondo nos livros. mas eu ainda acredito sair da concha aos poucos. talvez seja essa a minha salvação. tenho fé.

quando puder, me mande alguns dos seus pensamentos. mesmo telepaticamente.

com amor,
C.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

O livro do chá

(...) Na arte, a importância do mesmo princípio é ilustrada pelo valor da sugestão. Ao deixar algo não dito, é concedida ao observador a oportunidade de completar a ideia; desse modo, uma grande obra-prima prende sua atenção até você ter a impressão de ser realmente parte da obra. O vácuo está ali para que você possa entrar e preenchê-lo completamente com sua emoção estética. (O Taoísmo e o Zen - p. 60-61)

O zen, com sua teoria budista da efemeridade e sua busca pelo domínio do espírito sobre a matéria, aceitou a casa apenas como um refúgio temporário para o corpo. O corpo em si era somente uma cabana no ermo, um abrigo frágil que se faz amarrando hastes de gramíneas que crescem por toda parte - e, quando as amarras se dissolviam, as hastes se decompunham no ermo original. (O aposento da cerimônia do chá - p. 77)

No aposento de chá, fica a cargo de cada conviva completar o efeito total em relação a si mesmo através da imaginação. Desde que o zen se tornou a corrente de pensamento predominante, a arte do Extremo Oriente evitou intencionalmente a simetria por considerá-la expressão não somente de completude, como também de repetição. A uniformidade de um desenho era considerada fatal para o viço da imaginação. Assim, paisagens, pássaros e flores tornaram-se temas favoritos de pinturas em detrimento da figura humana, e esta última está presente apenas na pessoa do próprio observador. (p. 80)

A apreciação estética do incompleto não teve origem no chanoyu. Mesmo no clássico Ensaios sobre a ociosidade (1331, aproximadamente) podemos encontrar a afirmação: "Em todas as coisas, a completude de todos os detalhes não é desejável; aquilo que é deixado simplesmente inacabado prende o interesse". (Posfácio de Hounsai Genshitsu Sen - p. 135)

OKAKURA, Kakuzo. O livro do chá. São Paulo: Estação Liberdade, 2008.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Masao Yamamoto

Conheci a obra de Masao Yamamoto não me lembro bem ao certo, mas sei que foi pela internet. Foi uma daquelas imagens, puxadas ao acaso, que aparecem junto à pesquisas não muito bem delimitadas, e que trazem as vezes agradáveis surpresas. A imagem era de uma pequena floresta, aparentemente em uma planície. Na entrada, em frente as árvores, um tori. Conhecido como um portal entre o mundo terreno e o plano sagrado, espiritual, o tori muitas vezes encontra-se na entrada dos santuários xintoístas.

Acredito que essas informações não me passaram pela cabeça quando vi essa imagem. Pensei no contraste, na força de tantas árvores altas e frondosas, nascerem em um lugar, aparentemente inóspito. Essa foto, em especial, faz parte da série Kawa=Flow, em que Yamamoto diz que são reflexões sobre o mundo aonde estamos e ao mundo em que vamos no futuro.

A influência do budismo e sobretudo o Zen estão presentes em todas as suas séries como A box of Ku, Nakazora e Kawa-Flow. Nessa última série, no site do artista, um bonito relato sobre aquilo que o move filosófico e espiritualmente: a transição da natureza, um poema Haiku do monge Ryokan, o ciclo de vida de uma gota que cai das montanhas e integra os mares.

Não é necessário saber qualquer informação prévia quando estamos diante das fotografias. Muitas são em pequenos formatos, para que a contemplação ocorra de forma íntima, com o nariz próximo ao vidro. Desse modo, percebe-se os rasgos na fotografia, as beiradas irregulares, as incisões no papel fotográfico (na gelatina de prata) que transparecem em uma cor diferente daquela do monocromático preto e branco.

Tanto poderia ser dito sobre o método de trabalho e quanto da estética japonesa encontra-se inserida no seu trabalho poético. Mas acredito que não seja necessário. Presenciar, sem pressa e silenciosamente, já basta para compreender o pequeno mundo do artista. Está tudo ali, em cada imagem a ser contemplada.

Site do artista: http://www.yamamotomasao.jp
Exposição na Galeria Marcelo Guarnieri. Al. Lorena, 1966 - São Paulo - De 7/4 a 5/5/2014