quinta-feira, 3 de outubro de 2019

novas derivas, de Crivelli

(...) ao analisar o termo grego theorein, James Clifford diz que ele define “uma prática de viagem e observação, um homem enviado pela polis para uma outra cidade para testemunhar uma cerimônia religiosa. ‘Teoria’ é o produto do deslocamento, da comparação, de uma certa distância. Para teorizar, é preciso deixar a própria casa. Mas como qualquer viagem, a teoria inicia e termina em algum lugar. No caso dos teóricos gregos o início e o fim eram o mesmo lugar, a polis de onde vinham. Isso não é tão simplesmente verdade para os teóricos do final do século XX”. Ou seja, se ainda hoje, como na antiga Grécia, “para teorizar, é pre- ciso deixar a própria casa”, ao deixá-la ninguém sabe muito bem para onde voltará, ou se existe em absoluto a possibilidade de um regresso, diferença ontológica que distingue, poder-se-ia dizer, a viagem da deriva. O escritor argentino Tomás Eloy Martínez afirmou algo parecido, ou talvez complementar, ao comentar a sua trajetória pessoal de exilado durante o período de ditadura militar no seu país: “Quando você volta ao lar do qual par- tiu, pensa que fechou o círculo, mas percebe que sua viagem foi só de ida. Do exílio ninguém regressa”15. Enquanto o exilado caminha por outras terras, a que ele deixou muda, deixa de existir do jeito que ele a conheceu, e se algum dia, por ventura, ele finalmente conseguir voltar, voltará a uma terra que já não lhe pertence. É só enquanto o exilado (o artista, o escritor, o crítico...) está no caminho, então, que ele realmente preserva a memória, no instante que ele para, a memória que o caminho conservava evaporará a contato do mundo.

Giuliana Bruno, crítica de cinema que deixou Nápoles e a Itália alguns anos antes de mim, ao concluir um livro fundamental sobre a importância de mapas e cartografias na produção artística e cine- matográfica contemporânea, atreveu-se a olhar para a relevância da posição, pessoal e única, de onde o crítico escreve: “mas, o que dizer da relação que o teórico trava com um conjunto de textos? O que é que leva o analista a escolher seu objeto? Com base em quê? Como pode, o cinema, ser um objeto de desejo, o lugar das ligações de amor e domínio, uma construção emocional? Em que “architexture” se funda essa relação? (...) enfim, o que é que devemos ou podemos dizer da viagem crítica?

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