terça-feira, 8 de outubro de 2019

você nunca fez nada errado.

querido F.,

primeiramente, me desculpe. demorei tanto para ler o seu livro que mesmo feliz em ver o lançamento aqui em São Paulo, engolia um pouco a seco a saliva envergonhada.

acho que tinha medo da sinceridade absurda que me esperava e que todos diziam. ou também tinha medo da postura do observador que lê, passivo, coisas que ele não pode mudar. porque aconteceram no passado. e/ou porque alguma razão não se estava lá. (no caso, eu não estava porque ainda não te conhecia, diz minha consciência). ou porque te conheço agora e ler a sua dor, me machucaria de alguma forma. ainda não sei a razão de protelar. muitos porquês e todos um pouco egoístas.

mas ao contrário do que eu pensava, a leitura foi a conversa com um amigo sobre o seu passado. comecei a ler na padaria, tomando suco de tangerina. acho que precisava de algum ruído a mais, não podia ouvir só a sua voz.
aconteceu, de um modo meio narcísico de eu pensar em mim. na identidade e na fragilidade construída. na minha voz, como dizem que eu pareço calma. nos momentos de estouro (e sempre penso em um personagem padeiro da trilogia do Gorki). e mesmo te ouvindo eu me ouvia. não que eu chegue a entender completamente o que você viveu. isso é impossível. mas por meio da sua voz, eu pensei na minha.

dentre tantos relatos, gosto quando você insere outros amigos da literatura, do audiovisual, como o que você vivia refletia ao redor. Nan Goldin sempre me impressionou, mas vê-la pelos seus olhos me fez enxergar outra obra.

você diz que a Szymborska fala sobre "ser escritor nada mais é do que sentar-se diante do papel em branco e esperar por si mesmo". além disso, acho que ser escritor é fazer da vida uma eterna conversa com desconhecidos (ou conhecidos). é esse amor impossível de não saber com quem está falando ou como ressoa no outro que está além do tempo e do espaço.

te ver forte hoje me emociona, meu amigo. e sinto uma alegria imensa em pensar que esse ano começou ao redor de pessoas tão especiais, com uma compreensão do mundo admirável. obrigada por estar aqui.

chegar ao final e ver seu rosto na orelha do livro, faz pensar que além das palavras, a imagem. e como gosto dessa imagem que R. te fotografou.

com amor, C.

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