sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Chantal

Em "Uma família em Bruxelas", Chantal Akerman apresenta seu monólogo, obra que foi traduzida e publicada em português em 2017. A todo momento sabemos da personagem principal, uma senhora que perdeu o marido e tem duas filhas: a de Menilmontant, solteira e dedicada ao trabalho; e a filha que mora mais longe, casada e com filhos. Não há nomes próprios e conhecemos os personagens e suas personalidades pelas ações. Não a toa, quando surge uma única vez o nome do marido, Jacques, o olhar recai com gravidade na palavra, como se houvesse ali uma palavra profana. Por traz da simplicidade no decorrer das ações banais, a construção akermaniana é complexa e exige tempo, disposição. A repetição está presente em todo repertório audiovisual e literário, algo como já foi descrito pelo poeta Manoel de Barros: "repetir, repetir - até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo".

De 26 de novembro de 2018 até 27 de janeiro de 2019, a exposição Tempo Expandido foi apresentada no Centro Cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Com curadoria de Evangelina Seiler, mostrou 5 instalações de Akerman: O Quarto (1972), Tombée de Nuit sur Shanghai (2009), Verão Maníaco (2009), Minha mãe ri, prelúdio (2012) e No espelho (2007). Nos deteremos na videoinstalação "Verão Maníaco" pois no nosso entender, trata-se de uma instalação que considera o espaço ao redor para a construção narrativa da obra.

Ao chegar na sala escura, a esquerda em um espaço que ocupa quase toda a parede, cenas do cotidiano são projetadas. Ali, Akerman grava-se no vídeo ao telefone, mas também grava cenas com crianças brincando no parque, ruas de dia e de noite, carros, esquinas com movimentações ordinárias. Do lado direito dessa grande tela, outros vídeos passam em um tamanho menor, como um carretel de imagens da esquerda para a direita. O que antes estava em evidência, desloca-se agora para direita. O que antes fora reproduzido na tela maior, passa o restante da sala, mas de forma diferente. A primeira parte da repetição das imagens estão divididas, sendo uma colorida e outra em preto e branco. Segue-se a direita com a mesma imagem, mas fragmentada em um detalhe específico do mesmo vídeo. é uma disposição que pede atenção para que seja percebido as repetições, mudança de cor, fragmento do vídeo. A imagem que ecoa e estiliza-se conforme o olhar passa da esquerda para a direita é sutil, não óbvia. E quando o espectador acostuma-se com essa disposição, Akerman quebra e mostra abaixo uma outra imagem, estilizada, em outro espaço que ainda não tinha sido habitado por esse lugar contínuo. é durante a transição da imagem grande para o seus ecos a direita é que ocorre essa quebra, como se ali houvesse o momento grave, o instante não esperado.

A instalação é percebida com tempo e precisa do espaço para que a narrativa crie sentido. Para que o espectador veja a imagem caminhando, primeiro em seu formato inicial, grande, para depois menor, para depois p&b, para depois estilizada com os pixels saltando a tela até o fragmento p&b tornar-se uma outra imagem, um outro lugar, agora já distante da primeira imagem. O Verão Maníaco de 2009 são como janelas de um tempo em que Chantal, obcecada em gravar a tudo e a todos naquela atmosfera, são registros para estarmos lá, no aqui e agora desse espaço-tempo do seu universo.

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