sábado, 16 de dezembro de 2017

a história de A.P

a empatia é sentida bem perto do plexo solar. foi ali na cozinha que conheci A.P e logo ela me contou sobre a dificuldade que foi a gestação e o nascimento do primeiro filho. era aniversário de 5 anos da S. e enquanto todos se reuniam lá no fundo da casa, com o teor etílico aumentando gradativamente junto com o volume das vozes, ficamos conversando na cozinha. a família toda estava no ramo da salgaderia há pelo menos 30 anos e todos tinham queimadura de terceiro grau. isso apareceu quanto a Ia pegou uma bolinha de queijo e pediu para fritar mais um pouco. o queijo derrete depois que saiu da fritadeira, porque se continuar por mais tempo, ela explode, ela disse. achei impressionante porque há alguns anos, na mesma cozinha, uma das moças teve queimaduras por causa do óleo. foi no rosto e lembro que fiquei preocupada porque não sei direito como lidar com queimaduras. minha mãe já tinha dito que A.P era profissional e olhando pelo cuidado das fiações e os transformadores percebi que sim.

a tarde corria e junto com os salgados, hotdogs, pipoca, salada de macarrão. eu enchia cada vez mais meu copo de frisante, enquanto ia para lá e para cá, servindo para os pais e as crianças. uma das discussões ao fundo começou a ficar mais inflamada sobre a variável Bolsonaro. era o pai da melhor amiga da S. e acho que isso não era um bom começo de convivência com as famílias. de todo modo, o pai foi embora, com a desculpa de que o filho estava doente, o que foi desmentido com um não sei porque meu pai fala para falar que eu to doente, eu to bem.

de volta a cozinha, A.P me contou sobre o pai dela e como ela era filha de um estupro. a família era de Minas, bem humilde e a mãe veio para São Paulo para trabalhar como doméstica. o pai reapareceu quando A.P tinha 11 anos e lembra dele arrancando as unhas da mãe com alicate. (não quis aprofundar mais, isso sempre me toca e me faz ficar muito mal). a família de Minas era da cidade da manteiga Aviação. A.P conta que a indústria começou com uma portinha e que as tias sempre pegavam as embalagem que sobravam e a empresa jogava no lixo. com o crescimento da empresa, o que era antes descartado começou a ser cobrado e hoje vale R$ 8 centavos cada caixa.

final da tarde e A.P já ia embora quando dei um abraço nela e desejei que o aniversário de 40 anos, já próximo, fosse comemorado com muita alegria. desejei que ela fizesse a viagem que tanto queria, para algum lugar tranquilo, com o marido e com o filho. a noite, antes de dormir, com o coração pesado pensei que seria bom trazer em algum momento da vida da escrita essas histórias que carrego pelo contato ou convivência. lendo Bolaño e o capítulo Anne's life, acho que tive algumas ideias do que isso pode ser no futuro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário