terça-feira, 3 de junho de 2014

a fragilidade das classificações

"Tinha vontade, explicava, de classificar essas etiquetas, mas a coisa era difícil: havia, é claro, a ordem cronológica, porém ele a considerava pobre, mais pobre ainda que a ordem alfabética. Tentara classificar por continentes, depois por países, mas isso não o satisfazia. O que pretendia era um encadeamento, de modo que cada etiqueta estivesse ligada à seguinte, mas sempre por um motivo diferente; por exemplo, poderiam possuir um detalhe em comum, um vulcão ou montanha, uma baía iluminada, uma flor específica, um mesmo friso vermelho e dourado, a cara gorda de um cavalariço; ou então ter um mesmo formato, uma mesma forma de grafar, dois slogans semelhantes ("A Pérola do Oceano", "O Diamante da Costa"; ou, ainda, uma relação baseada não na semelhança mas numa oposição, ou numa associação muito leve, quase arbitrária: um povoado minúsculo às margens de um lago italiano seguido de um arranha-céu de Manhattan, esquiadores sucedendo-se a pessoas que nadavam, fogos de artifício a um jantar à luz de velas, uma estrada de ferro a um avião, uma mesa de bacará a uma estrada etc. Não era apenas difícil, acrescentava Winckler; era sobretudo inútil: deixando as etiquetas misturadas e escolhendo duas ao acaso, podia-se estar certo de que teriam sempre pelo menos três pontos em comum."

[PEREC, Georges. A vida modo de usar. São Paulo: Companhia das Letras, 2009 - p. 49.]

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