sábado, 25 de agosto de 2012
fragmentos de um discurso amoroso - Barthes
5. Sustento ao infinito, para o ausente, o discurso de sua ausência; situação em suma inaudita; o outro está ausente como referente, presente como alocutário. Dessa distorção singular, nasce uma espécie de presente insustentável: fico acuado entre dois tempos, o tempo da referência e o tempo da alocução: você partiu (do que estou me queixando), você está aqui (já que me dirijo a você). Conheço então o que é o presente, este tempo difícil: um puro pedaço de angústia.
A ausência dura, preciso suportá-la. Vou portanto manipulá-la: transformar a distorção do tempo em vai-e-vem, produzir ritmo, abrir a cena da linguagem (a linguagem nasce da ausência: a criança fabricou um carretel, joga-o e apanha-o, mimando a partida e a volta da mãe: um paradigma foi criado). A ausência torna-se uma prática ativa, um atarefamento (que me impede de fazer qualquer outra coisa); cria-se uma ficção com múltiplos papéis (dúvidas, recriminações, desejos, melancolia). Essa encenação linguareira afasta a morte do outro: um momento brevíssimo, dizem, separa o tempo em que a criança ainda crê que a mãe está ausente e o tempo em que já a crê morta. Manipular a ausência é alongar esse momento, retardar tanto quanto possível o instante em que o outro poderia resvalar secamente da ausência para a morte.
[Winnicott]
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